🏛️ TRUST NO EXTERIOR E TRIBUTAÇÃO NO BRASIL

Análise Completa à Luz da Lei 14.754/2023 e Normas da Receita Federal

📖 Conceito e Marco Legal
💰 Tributação (IR)
📋 ITCMD
⚖️ Quadro Comparativo
⚠️ Riscos
✅ Conclusão

📖 O Trust no Direito Brasileiro: Conceito e Marco Regulatório

1. Definição Legal de Trust

A Lei nº 14.754/2023 trouxe, pela primeira vez na legislação brasileira, uma definição expressa do instituto do trust. Conforme o art. 12, inciso I, da referida Lei, considera-se trust a "figura contratual regida por lei estrangeira que dispõe sobre a relação jurídica entre o instituidor, o trustee e os beneficiários quanto aos bens e direitos indicados na escritura do trust".

📚 Fonte: Art. 12, inciso I, da Lei nº 14.754/2023

O trust é uma estrutura jurídica típica dos países de common law (como Reino Unido, Estados Unidos, Ilhas Cayman, Jersey, etc.), inexistente no ordenamento jurídico brasileiro, que pertence à tradição do civil law. Conforme ensina a doutrina, "a estrutura do trust, antes vista como o auge da proteção patrimonial internacional, está sendo reavaliada no Brasil" após as novas regras tributárias.

📚 Fonte: JOTA - "O instituto dos trusts estrangeiros nos países de civil law" (07/08/2025)

2. Elementos Constitutivos do Trust

• Instituidor (Settlor): pessoa física que destina bens e direitos de sua titularidade para formar o trust (art. 12, II, Lei 14.754/2023)

• Administrador (Trustee): pessoa física ou jurídica com dever fiduciário sobre os bens, responsável por manter e administrar esses bens de acordo com as regras da escritura (art. 12, III)

• Beneficiário (Beneficiary): uma ou mais pessoas indicadas para receber os bens e direitos objeto do trust, acrescidos de seus frutos (art. 12, IV)

• Escritura do Trust (Trust Deed): ato escrito de manifestação de vontade do instituidor que rege a instituição e funcionamento do trust (art. 12, VI)

• Carta de Desejos (Letter of Wishes): ato suplementar que pode prever regras de funcionamento e distribuição de bens (art. 12, VII)

📚 Fonte: Art. 12, incisos II a VII, da Lei nº 14.754/2023

3. Regime de Transparência Fiscal

A Lei 14.754/2023 adotou o chamado regime de transparência fiscal para os trusts, segundo o qual os bens e direitos objeto do trust são tratados como se ainda pertencessem ao instituidor ou ao beneficiário, conforme o caso, para fins tributários. Isso significa que a estrutura do trust é "desconsiderada" para efeitos fiscais brasileiros.

Conforme análise doutrinária: "Este é o regime de transparência criado pela Lei 14.754/23 para os trusts. O caso submetido à consulta trata de um trust irrevogável e discricionário constituído no exterior por uma offshore."

📚 Fonte: Migalhas - "A visão turva do fisco sobre o regime transparente aplicável aos trusts" (17/06/2025)

4. Titularidade dos Bens do Trust

O art. 10 da Lei 14.754/2023 estabelece regras fundamentais sobre a titularidade dos bens:

📚 Fonte: Art. 10, incisos I e II, e §1º, da Lei nº 14.754/2023

5. Instrução Normativa RFB nº 2.180/2024

A Receita Federal do Brasil regulamentou a matéria por meio da IN RFB nº 2.180, de 11 de março de 2024, que dispõe sobre a tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no País com investimentos no exterior, incluindo trusts.

Segundo o art. 41 da IN 2.180/2024, os bens e direitos do trust no exterior serão considerados de titularidade do settlor após a instituição do trust, devendo ser declarados diretamente pelo titular na Declaração de Ajuste Anual (DAA).

📚 Fonte: Instrução Normativa RFB nº 2.180/2024, art. 41; Receita Federal do Brasil - "Receita Federal edita norma que regulamenta a tributação das offshores e trusts" (14/03/2024)

💰 Tributação pelo Imposto de Renda

1. Rendimentos e Ganhos de Capital

Conforme o art. 10, §3º da Lei 14.754/2023, os rendimentos e ganhos de capital relativos aos bens e direitos objeto do trust serão:

📚 Fonte: Art. 10, §3º, incisos I e II, da Lei nº 14.754/2023

2. Alíquotas Aplicáveis

Conforme a Lei 14.754/2023, os rendimentos de aplicações financeiras no exterior passaram a ser tributados com alíquota fixa de 15% sobre os rendimentos auferidos. Para lucros de entidades controladas no exterior, aplica-se a mesma alíquota de 15%.

Regime anterior: Antes da Lei 14.754/2023, havia diferimento da tributação até o efetivo recebimento dos valores pelo contribuinte brasileiro

Regime atual: Tributação anual obrigatória, independentemente de distribuição, com base no regime de competência

📚 Fonte: Art. 2º e seguintes da Lei nº 14.754/2023; InfoMoney - "Tributação sobre investimentos no exterior: como ficou?" (29/02/2024)

3. Trust que Detém Controlada no Exterior

Caso o trust detenha uma controlada no exterior (offshore), esta será considerada como detida diretamente pelo titular dos bens e direitos objeto do trust, aplicando-se as regras de tributação de investimentos em controladas no exterior previstas na Seção III da Lei 14.754/2023.

📚 Fonte: Art. 10, §4º, da Lei nº 14.754/2023

4. Momento da Transmissão e Efeitos Fiscais

Nos termos do art. 10, §2º, a mudança de titularidade sobre o patrimônio do trust será considerada como transmissão a título gratuito pelo instituidor para o beneficiário:

📚 Fonte: Art. 10, §2º, da Lei nº 14.754/2023

5. Opção pela Atualização de Valores (Art. 14)

A Lei 14.754/2023 permitiu, excepcionalmente, que os contribuintes optassem por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior para o valor de mercado em 31/12/2023, tributando a diferença à alíquota definitiva de 8%. O prazo para pagamento foi até 31 de maio de 2024.

📚 Fonte: Art. 14 e §8º da Lei nº 14.754/2023

6. Solução de Consulta COSIT nº 75/2025

Em abril de 2025, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta COSIT nº 75/2025, que estabeleceu entendimento polêmico sobre trusts irrevogáveis e discricionários:

⚠️ Entendimento da RFB (SC COSIT 75/2025)

A Receita Federal entende que, para fins da Lei 14.754/2023, o instituidor do trust é sempre a pessoa física que efetivamente transferiu os bens. No caso de trust constituído por offshore, a pessoa física controladora da offshore é considerada a verdadeira instituidora.

Além disso, em trusts irrevogáveis e discricionários, a titularidade é transferida aos beneficiários desde a constituição do trust, antecipando o fato gerador tributário.

📚 Fonte: Solução de Consulta COSIT nº 75, de 30/04/2025; Machado Meyer - "RFB publica solução de consulta sobre tratamento tributário de trust" (09/05/2025); JOTA - "A polêmica tributação de beneficiários de trusts" (08/05/2025)

7. Obrigações Acessórias

O instituidor ou beneficiário deve:

📚 Fonte: Arts. 10, §§5º a 8º, e 11 da Lei nº 14.754/2023

📋 ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação

1. Cenário Jurídico Atual

O ITCMD é um imposto estadual, previsto no art. 155, I, da Constituição Federal. A incidência sobre doações e heranças envolvendo o exterior foi objeto de intenso debate jurídico nos últimos anos.

2. Decisão do STF - RE 851.108 (Tema 825)

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 851.108 (Tema 825), firmou a seguinte tese:

Tese fixada: "É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional."

Isso significa que, até a edição de lei complementar federal, os estados não podem cobrar ITCMD sobre doações de doador residente no exterior ou sobre heranças de bens situados no exterior.

📚 Fonte: STF - RE 851.108/SP (Tema 825); STF Notícias - "STF invalida leis estaduais que regulamentam imposto sobre heranças e doações no exterior" (11/11/2022)

3. Emenda Constitucional nº 132/2023 (Reforma Tributária)

A EC 132/2023 alterou a Constituição Federal para permitir a cobrança do ITCMD em situações envolvendo o exterior, definindo competência aos estados:

• Quando o doador residir ou tiver domicílio no exterior: compete ao estado onde o donatário tiver domicílio

• Quando o de cujus era residente ou domiciliado no exterior: compete ao estado onde era domiciliado o sucessor ou legatário

• Quando os bens estiverem situados no exterior: compete ao estado onde era domiciliado o de cujus ou doador

📚 Fonte: Emenda Constitucional nº 132/2023, art. 155, §1º, III; JOTA - "ITCMD sobre doações e heranças do exterior" (18/04/2024)

4. Projeto de Lei Complementar nº 108/2024

O PLP 108/2024, em tramitação no Congresso Nacional, regulamenta as normas gerais do ITCMD conforme a Reforma Tributária. O projeto prevê expressamente a incidência de ITCMD sobre bens e direitos afetados em trust no exterior.

Segundo análise do escritório Mattos Filho: "O texto-base do segundo Projeto de Lei Complementar (PLP) da Reforma Tributária, o PLP 108/2024, prevê a incidência de ITCMD sobre os bens e direitos afetados em trust no exterior."

📚 Fonte: PLP 108/2024; Mattos Filho - "Reforma Tributária: Câmara aprova texto-base do segundo Projeto de Lei Complementar" (13/08/2024)

5. Posição da Fazenda de São Paulo

A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, por meio da Resposta à Consulta Tributária nº 25.343/2022, manifestou entendimento de que:

⚠️ Entendimento SEFAZ-SP (RC 25.343/2022)

A distribuição de bens de trust no exterior para beneficiário residente em São Paulo caracteriza doação sujeita ao ITCMD, com competência do Estado de São Paulo.

Esse entendimento é questionado pela doutrina, pois "absolutamente não consta na norma" estadual, sendo uma interpretação extensiva do Fisco paulista.

📚 Fonte: Resposta à Consulta Tributária SEFAZ-SP nº 25.343/2022; B18 Advogados - "As cortinas se abriram: incidência do ITCMD sobre o Trust na visão da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo" (19/04/2023); Migalhas - "ITCMD em doações provenientes do exterior e TRUSTS: Fisco paulista" (08/06/2024)

6. Situação Transitória

Atualmente, há uma "janela de oportunidade" enquanto não editada a lei complementar federal exigida pelo STF. Contudo:

📚 Fonte: Conjur - "ITCMD e doações com elementos no exterior: um tema superado?" (05/11/2024); STF - "Norma de Mato Grosso que criava imposto sobre doações e heranças no exterior é inconstitucional" (28/10/2025)

⚖️ Quadro Comparativo: Sucessão Tradicional vs. Trust no Exterior

O quadro abaixo apresenta a comparação entre a sucessão causa mortis tradicional e a sucessão via trust constituído no exterior, considerando pessoa com herdeiros e grande patrimônio no exterior.

ASPECTO SUCESSÃO TRADICIONAL SUCESSÃO VIA TRUST
📌 Momento do Fato Gerador (IR) Falecimento do titular. Rendimentos tributados anualmente durante a vida. Rendimentos tributados anualmente pelo instituidor enquanto vivo. Após falecimento ou em trust irrevogável, tributação passa ao beneficiário. (Art. 10, §3º, Lei 14.754/2023)
💵 Alíquota IR sobre Rendimentos 15% sobre rendimentos de aplicações financeiras no exterior (Lei 14.754/2023) 15% sobre rendimentos, independentemente de distribuição. Regime de competência anual. (Art. 2º, Lei 14.754/2023)
📊 Ganho de Capital na Transmissão Tributação sobre diferença entre valor de mercado e custo de aquisição. Possibilidade de atualização pelo valor de mercado na declaração de espólio final. Transmissão considerada a título gratuito (doação ou herança). Pode gerar ganho de capital na transmissão ao beneficiário. (Art. 10, §2º, Lei 14.754/2023)
🏛️ ITCMD - Situação Atual NÃO INCIDE sobre bens no exterior até edição de lei complementar federal (RE 851.108/STF) NÃO INCIDE - mesma regra aplicável. Estados não podem cobrar sem LC. Contudo, SP já tenta cobrar (RC 25.343/2022)
🏛️ ITCMD - Cenário Futuro (PLP 108/2024) INCIDIRÁ com alíquotas progressivas de até 8%. LC definirá competência estadual. INCIDIRÁ EXPRESSAMENTE sobre bens em trust. O PLP 108/2024 prevê tributação específica de trusts. Pode haver dupla incidência: na constituição (se irrevogável) + na morte.
⏰ Efeitos Imediatos da Constituição do Trust N/A - não há constituição de trust Trust Revogável: bens permanecem com instituidor para fins fiscais.
Trust Irrevogável: RFB entende que há transferência imediata aos beneficiários (SC COSIT 75/2025), gerando possível doação tributável + IR sobre ganho de capital.
👤 Responsável pelos Tributos (Após Constituição) Titular dos bens (durante vida) → Espólio → Herdeiros Instituidor (se trust revogável ou enquanto vivo).
Beneficiário (se trust irrevogável ou após falecimento do instituidor). A obrigação existe mesmo sem receber recursos do trustee (Art. 10, §8º, Lei 14.754/2023)
📋 Obrigações Acessórias Declaração anual de bens no exterior (CBE se > US$ 1 milhão) Declaração individualizada dos bens do trust na DAA (não mais declarar o trust em si). Obrigação de alterar escritura do trust para incluir cláusula de cooperação fiscal. (Art. 11, Lei 14.754/2023)
⚡ Processo Sucessório Inventário obrigatório no Brasil. Pode haver inventário também no país dos bens. Processo pode ser demorado e custoso. Dispensa inventário no país do trust. Bens transferidos conforme escritura. Porém, no Brasil ainda pode ser exigido inventário para fins fiscais e de registro.
🛡️ Proteção Patrimonial Bens respondem integralmente por dívidas do titular Potencial segregação patrimonial em jurisdições que reconhecem o trust. No Brasil, não há blindagem - bens considerados do instituidor/beneficiário para fins fiscais.
💼 Custo de Manutenção Custos regulares de manutenção dos investimentos Custos adicionais: trustee fees, compliance fiscal no Brasil, eventual assessoria jurídica permanente, custos de adaptação da escritura.
🔮 Risco de Interpretações Adversas Regras mais consolidadas e previsíveis ALTO RISCO: RFB pode adotar interpretações desfavoráveis (ex: SC COSIT 75/2025). Legislação nova com lacunas. Possíveis autuações retroativas.
📊 RESUMO DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA PÓS-CONSTITUIÇÃO DO TRUST
TIPO DE TRUST TITULAR PARA FINS FISCAIS RESPONSÁVEL PELO IR FATO GERADOR DE ITCMD
Revogável Instituidor Instituidor (enquanto vivo) Somente na morte ou distribuição
Irrevogável Beneficiário (desde a constituição, conforme SC COSIT 75/2025) Beneficiário (desde a constituição) Na constituição (doação) + possível nova incidência na morte do instituidor

⚠️ Riscos e Interpretações Desfavoráveis da RFB

1. Antecipação do Fato Gerador em Trusts Irrevogáveis

A SC COSIT 75/2025 estabeleceu que, em trusts irrevogáveis e discricionários, a titularidade dos bens passa aos beneficiários desde a constituição do trust, e não apenas no momento da distribuição ou morte do instituidor. Isso gera:

  • Possível cobrança de IR sobre ganho de capital no momento da constituição
  • Possível incidência de ITCMD como doação no momento da constituição
  • Obrigação do beneficiário declarar e tributar rendimentos mesmo sem ter recebido nada

📚 Fonte: Solução de Consulta COSIT nº 75/2025; Conjur - "Limites da transparência fiscal: crítica à SC Cosit 75/25 sobre trust discricionário" (22/05/2025)

2. Desconsideração da Personalidade Jurídica de Offshores

Quando o trust é constituído por uma offshore (e não diretamente pela pessoa física), a RFB entende que deve-se "olhar através" (look through) da estrutura para identificar a pessoa física controladora como verdadeiro instituidor. Isso significa que estruturas de planejamento com múltiplas camadas podem ser desconsideradas.

📚 Fonte: SC COSIT 75/2025; B18 Advogados - "Solução de Consulta COSIT nº 75/2025, Transparência Fiscal e a tributação de trusts irrevogáveis" (07/05/2025)

3. Tributação Mesmo Sem Recebimento de Recursos

O art. 10, §8º da Lei 14.754/2023 é explícito: a inobservância das obrigações pelo trustee ou a impossibilidade de obter recursos não afastam o dever de cumprimento das obrigações tributárias. Assim, o contribuinte brasileiro pode ser obrigado a pagar imposto sobre rendimentos que nunca recebeu efetivamente.

📚 Fonte: Art. 10, §8º, Lei nº 14.754/2023; JOTA - "A polêmica tributação de beneficiários de trusts" (08/05/2025)

4. Dupla Tributação Potencial de ITCMD

Com a aprovação do PLP 108/2024 e a posição de fiscos estaduais como o de São Paulo, há risco de:

  • ITCMD na constituição do trust irrevogável (como doação)
  • ITCMD na morte do instituidor (como transmissão causa mortis)
  • ITCMD em cada distribuição ao beneficiário (como doações sucessivas)

📚 Fonte: RC SEFAZ-SP 25.343/2022; Mattos Filho - análise do PLP 108/2024 (13/08/2024)

5. Conflito de Competência entre Estados

A EC 132/2023 definiu regras de competência estadual para ITCMD em operações internacionais, mas pode haver conflito quando beneficiários residem em estados diferentes. Isso gera insegurança sobre qual estado pode cobrar e risco de bitributação.

📚 Fonte: DMGSA Advogados - "ITCMD – Mudanças na EC 132/2023 e a tributação sobre doações de bens por doador residente no exterior" (20/12/2023)

6. Obrigação de Alterar Escritura do Trust

O art. 10, §6º da Lei 14.754/2023 exigiu que o instituidor ou beneficiário providenciasse, em até 180 dias da publicação da Lei (ou seja, até junho de 2024), a alteração da escritura do trust para incluir cláusula obrigando o trustee a cumprir a legislação brasileira. O não cumprimento pode gerar questionamentos sobre a regularidade do trust.

📚 Fonte: Art. 10, §6º, Lei nº 14.754/2023

7. Risco de Caracterização como Evasão Fiscal

Trusts constituídos com finalidade predominantemente fiscal, especialmente após a Lei 14.754/2023, podem ser questionados pela RFB como estruturas de evasão fiscal, especialmente se:

  • Não houver propósito negocial legítimo além da economia tributária
  • O instituidor mantiver controle de fato sobre os bens
  • Os beneficiários não tiverem qualquer poder real sobre o patrimônio

📚 Fonte: UFRGS - "Empresas Offshore e os Limites do Abuso de Direito" (25/09/2024)

8. Incerteza sobre Estruturas Preexistentes

Trusts constituídos antes da Lei 14.754/2023 podem enfrentar questionamentos sobre a data de transferência de titularidade, especialmente em trusts irrevogáveis. A RFB pode entender que a transmissão ocorreu no passado, gerando cobranças retroativas de ITCMD e IR.

📚 Fonte: Migalhas - "A visão turva do fisco sobre o regime transparente aplicável aos trusts" (17/06/2025)

9. Falta de Reconhecimento do Trust no Brasil

O Brasil não reconhece o trust como instituto jurídico válido internamente (apenas para fins tributários a partir de 2023). Isso pode gerar problemas práticos como:

  • Impossibilidade de execução forçada da escritura do trust no Brasil
  • Dificuldades em processos de inventário
  • Questionamentos sobre a validade das cláusulas do trust

📚 Fonte: JOTA - "O instituto dos trusts estrangeiros nos países de civil law" (07/08/2025); Conjur - "Trusts: finalmente a legislação brasileira tocou no nome deles" (24/03/2024)

10. Aplicação a Estruturas Similares

O art. 13 da Lei 14.754/2023 determina que as disposições sobre trusts aplicam-se também a demais contratos regidos por lei estrangeira com características similares que não forem enquadrados como entidades controladas. Isso amplia significativamente o alcance da norma para fundações privadas, Anstalts, e outras estruturas.

📚 Fonte: Art. 13, Lei nº 14.754/2023

✅ Conclusão e Recomendações

Síntese do Cenário Atual

A Lei 14.754/2023 representou uma mudança paradigmática no tratamento tributário dos trusts no Brasil. O regime de transparência fiscal eliminou a principal vantagem que existia anteriormente: o diferimento da tributação. Com as novas regras:

Para Quem Ainda Faz Sentido?

O trust ainda pode ser vantajoso quando:

  • O objetivo principal é planejamento sucessório (evitar inventário no exterior, definir regras de distribuição, proteger beneficiários incapazes)
  • Há necessidade de governança patrimonial complexa (múltiplos beneficiários, distribuição condicionada)
  • O patrimônio está em jurisdição que reconhece e protege trusts
  • O custo tributário adicional é compensado pelos benefícios não fiscais

Recomendações Práticas

1️⃣ Análise Individualizada

Cada situação patrimonial e familiar é única. É imprescindível análise por advogados especializados em direito tributário internacional e planejamento sucessório antes de constituir ou manter um trust.

2️⃣ Revisão de Estruturas Existentes

Trusts já constituídos devem ser revisados para verificar conformidade com a Lei 14.754/2023 e adequação da escritura conforme art. 10, §6º.

3️⃣ Documentação Robusta

Manter documentação completa sobre o propósito negocial do trust, custos de aquisição dos bens e histórico de rendimentos para eventual fiscalização.

4️⃣ Acompanhamento Legislativo

Monitorar a tramitação do PLP 108/2024 e eventuais novas Soluções de Consulta da RFB que possam impactar a tributação.

5️⃣ Considerar Alternativas

Avaliar estruturas alternativas como doação em vida com reserva de usufruto, testamentos, holdings familiares, seguros de vida, entre outras opções que podem atingir objetivos similares com menor complexidade.

⚖️ CONCLUSÃO FINAL

A constituição de trust no exterior após a Lei 14.754/2023 não oferece mais vantagens tributárias significativas para residentes fiscais brasileiros. Pelo contrário, pode gerar complexidade operacional, custos adicionais e riscos de interpretações desfavoráveis pela Receita Federal.

A decisão de constituir ou manter um trust deve ser baseada em objetivos não fiscais (sucessórios, de governança, proteção de beneficiários vulneráveis) e deve considerar cuidadosamente os riscos envolvidos, especialmente à luz da SC COSIT 75/2025 e do cenário de incerteza quanto ao ITCMD.

Nota: Este material tem caráter informativo e não substitui assessoria jurídica especializada. As informações refletem o cenário normativo e jurisprudencial até novembro de 2025.